terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O SONHO DO JACARÉ

O SONHO DO JACARÉ

- Cadê Ela?
- Sei não, acho que chegou a fera.
- Como assim?
- Ela não apareceu até agora. É porque está naquele período. Ela só voltará quando ele for embora.
- Eu não acredito! Ela pode ficar assim tão indiferente? Afinal, ela é a maior amiga da gente!
- Amiga é? Tá me cheirando a dor de cotovelo... Disfarça! Disfarça! Lá vem ela! Lá ri lá lá... – limpando as unhas nas penas - Acho que vai chover...
- Não disse que ele tinha chegado? Eu tinha certeza!
- Eu sabia que alguma coisa tinha acontecido. Agora, vamos ter que esperar a maré de calmaria passar.
- É, quando ele for embora, volta ansiedade outra vez. Ataca a neurose, daí ela fica toda nervosinha e a gente faz a festa. É só esperar.
- Tem certeza disso? Você confia em quê? Tem gente pra tudo meu filho! Eu não confio em ninguém. Ainda mais em felino, ou felina...
- Que nada, você não viu a piscadela que ela deu pra mim?
- Ih! Sai pra lá jacaré! Se enxerga!
- Pura inveja tua! Do jeito que as coisas andam, se transformam ou evoluem na natureza, tudo pode acontecer. Você nunca ouviu falar em Darwin? Tá precisando se instruir, hein!
- Ah! Pesquei! Jacaré apaixonado, né? Onde já se viu isso? Se todos os seus sonhos se realizassem iria nascer um bicho meio esquisito. Onça com cara de jacaré. Ou seria um jacaré com cara de onça? Oncinha com rabo de jacarezinho, jacarezinho com rabinho de oncinha, cheio de manchinhas... É, para um coração apaixonado, quando a prática conflita com a teoria, muda-se a teoria...
- E daí? Sonhar não faz mal a ninguém! Tudo pode acontecer. Quem viver verá! A minha maior paixão são aqueles lábios carnudos, que bocão, meu Deus! É o que mais me atrai...
- Que lábios que nada, jacaré. Aquilo é beiço mesmo!
- Tu és muito despeitada isso sim! Só porque tem esse bico fino? Tá mais é com inveja!
- É melhor ouvir isso que ser surda. Bico que te presta. E muito, não é? Seu mal agradecido. Por que você não pede a ela pra vir pra cá te catar?
- Ela só não vem porque a natureza dela é outra, o nosso destino não é esse, senão...
- Então tá bom. Deixa o gatão dela ir embora lá pras outras paradas que eu quero ver se tu é macho mesmo pra resolver a tua encrenca.
- Ah! Deixe-me em paz! Continua limpando as minhas costas, seu passarinho pernudo e despeitado.
- Isso é que eu não vou ter nunca mesmo. Du-vi-de-o-dó! Não sou mamífero! Eu vou é embora. Não estou aqui pra aguentar desaforo de mal agradecido. Tchau!
- Vai, pode ir, passarinho ignorante. Eu não falei de peito, foi despeito. Quanta burrice! É por isso que apesar de ser um pássaro bonito e elegante, vai ficar sempre nessa vidinha. Nem aprendeu a cantar, só sabe grasnar. Não vê que quando a gente quer a gente consegue? Temos que ser perseverantes. A natureza sempre dá um jeitinho. – Pensou.
E mergulhou no fundo do rio pra refrescar as ideias.

Por Mario Rezende